Segundo o psiquiatra, vivenciamos uma crise ética: "Na medicina e na psicologia penso que chegamos a essa situação de muita disparidade entre as pessoas que sofrem e que buscam conforto nas assistências técnicas e nos técnicos (profissionais), porque nós nos esquecemos de que cuidamos de pessoas. Precisamos perceber que nós fracassamos do ponto de vista ético, já que precisamos pensar eticamente em nossas relações, nossas construções, os acordos que fizemos para que nós humanos possamos viver no melhor ambiente possível, já que vamos sempre conviver na diferença."
Sobre essa perda de empatia na relação entre a pessoa que sofre e o seu cuidador, Nery traça algumas perspectivas: "A saída é voltar aos acordos técnicos, reconhecer o humano na sua fragilidade, reconhecer o sofrimento. É fazer com que médicos, psicólogos, assistentes sociais e advogados se destituam desse lugar de superpoderosos, deuses, pessoas que detêm o supremo conhecimento e que deixaram de ser mortais. É voltar a pensar que somos todos iguais, uns com mais outros com menos. Nós fracassamos porque perdemos os nossos fundamentos éticos e, para sair, precisamos retornar às nossas fundações éticas."
Segundo Maria Antonieta Araújo, coordenadora do curso, o tema escolhido para a aula inaugural vai ao encontro do objetivo principal do curso: "Nosso curso volta o olhar justamente para esta interface que é o indivíduo que está sofrendo e está entre a saúde mental e a atenção básica com os cuidados biomédicos. A interface entre esses dois pontos, saúde mental e atenção básica, é exatamente o que o professor Nery colocou, o sofrimento do indivíduo que busca esse cuidado".
Ela conta que o curso se originou a partir de um trabalho desenvolvido pela Bahiana na atenção primária: "Por nove anos, estive à frente do programa Candeal, fazendo atendimento aos usuários daquela comunidade e vi a dificuldade de acolhimento e acompanhamento do sofrimento psíquico que chegava àquele local.", Segundo Antonieta, esses usuários poderiam ser atendidos naquela unidade, sem a necessidade de serem encaminhados para unidades de saúde especializadas. "Ali mesmo, se os profissionais tivessem habilitados para cuidar, isso seria feito".
Para a professora do curso, Alssivânia Mota, a palestra do professor Nery consolida o que já vem sendo motivo de reflexão dentro do curso: "Acho que esse encontro dele com o curso é exatamente o que a gente pensa, essa interface além dessa formação técnica. Mas considerando essa dimensão humana, filosófica, que comportamos enquanto sujeitos, por que adoecemos? Por que as pessoas adoecem? Será que eu vou adoecer? Eu acho que essa é a proposta da pós e com a qual eu contribuo desde o início: é pensar essa formação para o uso de proposições de reflexividade de como podemos intervir melhor sobre seres humanos iguais a nós, que também sofrem em medidas diferentes. Então essa formação visa associar o uso das técnicas a essa dimensão filosófica da compreensão do sujeito nesse espeço social do ‘aqui e agora’ que é altamente adoecedor".